E 11 coisas que não pus no meu currículo
1. Que a meio da noite, completamente exausta de ter os dois bebés doentes, fiquei ali de pé, naquele quarto quente no Gana, com o meu filho mais novo a chorar no meu colo, e senti-me forte. Mais forte do que alguma vez me sentira. E pensei como é que isso era possível – como é que tal exaustão podia trazer tal força? Porque era a única coisa que podia fazer. Só podia segurá-los, dar-lhes mimos, dar-lhes o remédio, suar até não poder mais, tornar-me peganhenta e malcheirosa do leite materno, tomar um duche, ir para a cama e voltar a repetir tudo dentro de uns minutos ou de uma hora, dependendo de quanto tempo é que eles dormissem dessa vez.
2. Que o meu marido levava os miúdos a ver as garças de manhã bem cedinho. As ruas ganesas estavam cheias de lixo.
3. Que eu conhecia a pequena Efua, que passava os dias à beira da estrada com a sua mãe, vendedora de banana-pão grelhada e amendoins, uma combinação maravilhosa. Aquela menina de três anos, todo o dia a brincar por ali, com nada. Uma vez, apanhou malária e levei-a para dormir na nossa casa, para me certificar de que tomava os remédios a horas e que tinha uma cama confortável. Pensei que ela nunca iria para casa comigo porque chorava sempre que nos via, a família de “obroni’s”, os brancos, os terríveis. Mas ela foi comigo, sim, com todas as suas suspeitas, mas foi. Foi e comeu pouquinho, algumas batatas fritas apenas, e dormiu na nossa cama, aberta como uma estrela-do-mar, respirando pesadamente e transpirando, e eu percebi que a febre deixava o seu corpo e que, pela manhã, ela estaria melhor. Não consegui perceber todos os obrigadas que a sua mãe balbuciou em twi, dialecto local, mas percebi o obrigada, mil vezes obrigada.
4. Não pus no meu currículo que um dia, quando o meu filho mais velho chegou da escola a chorar porque tinha tido negativa a matemática e se achava estúpido, eu, sem saber o que fazer, o levei ao terreno e lhe mostrei os dois pequenos pinheiros que eu e o pai tínhamos plantado no fim-de-semana. Disse-lhe que, apesar de tudo, aqueles pinheirinhos iam crescer, às mãos das intempéries e que também ele, apesar das dificuldades, iria ultrapassar e crescer. Como ele olhou para mim, ainda vermelho e de pestanas molhadas, sem dizer nada. Mas, no regresso a casa, pegou-me na mão e começou a falar acerca de outras coisas do seu dia e eu percebi que ele estava aliviado, e sorri.
5. Que faço um super chocolate quente a que os meus filhos chamam o melhor do mundo.
6. Ainda faço a voz da Porquinha Peppa e do irmãozinho George e, ao ler histórias, gosto de fazer sotaques e vozes, e critico o meu marido por ser monocórdico quando lê. O nosso livro favorito era, provavelmente, o Tachi – As aventuras do grilo tibetano, que descreve às crianças a condição humana de uma forma tão doce e suave.  Que me espanto sempre como, controlando o seu espírito, os quatro amigos conseguiram deixar as ilhas da feiticeira Mara.
7. Que uma vez me sentei no sofá com o meu bebé a dormir ao colo, sentindo a sua respiração quentinha no meu pescoço e fiz uma publicação sobre isso no Facebook, chamando-lhe Felicidade.
8. Que uma vez o meu marido deixou a última cápsula de Nespresso em cima da mesa, com um papelinho a dizer amo-te e saiu para o trabalho sem beber o seu primeiro café, para que eu pudesse bebê-lo quando acordasse. E também publiquei isso no Facebook, chamando-lhe Amor.
9. Como fiquei triste por ter adormecido enquanto a minha cadela tinha os seus filhotes e três deles nasceram mortos, provavelmente porque estiveram muito tempo para nascer e ela estava cansada, sem o meu apoio. Como enterrei cuidadosamente aqueles cachorrinhos no nosso jardim, mas ela desenterrou-os e comeu-os. Antes de darmos as seis fêmeas a pessoas amigas, eu costumava correr com elas e o irmãozinho: sete minúsculas coisas pretas a perseguirem-me pelo jardim, a roerem-me os tornozelos, e como isso era pura alegria. Ficámos com o único macho da ninhada e chamámos-lhe Rocky, em homenagem ao cachorro verde da Patrulha Pata. 
10. Que tive um acidente de carro na ilha, depois de o meu marido me ter dito que provavelmente não poderíamos viajar com os cães e teríamos de os deixar para trás, porque o Covid lançara um embargo ao transporte de animais vivos em várias companhias aéreas.
11. Não pus no meu currículo que sou leal, mas talvez devesse ter posto.